terça-feira, 29 de novembro de 2011

A inflação e a Europa

Chamo hoje a atenção para o artigo de Vitor Bento no DE. Uma opinião
que eu partilho. A inflação é em si um mal, mas convém perceber que o
que está em jogo é o fim da zona Euro e com grande probabilidade da
União Europeia.


«Sou dos que consideram que a inflação é um mal económico e que,
deixada instalar, rapidamente se torna viciante e viciosa.

Por isso mesmo, desde há muito percebi a importância de um banco
central independente, que pudesse concentrar-se na sustentabilidade a
médio e longo prazo. Independente, entenda-se, do processo eleitoral e
do jogo partidário que este implica, mas politicamente
responsabilizável.

Por isso, sempre tive também grande compreensão pelos receios alemães,
fundados numa dramática experiência de hiperinflação, nos anos 20, que
teve consequências devastadoras na sociedade.

Porém, os grandes problemas na gestão política raramente têm a ver com
a escolha entre o bem e o mal. Surgem sobretudo quando se está perante
a escolha entre dois males. Quando assim é, são necessárias pelo menos
duas cautelas. Primeiro, uma cuidada aferição da malignidade de cada
opção, por forma a identificar, com razoável clareza, qual o mal menor
e o mal maior.

Segundo, a clarividência necessária para não sucumbir ao
fundamentalismo moralista de considerar que mal é mal e, como tal,
ambos devem ser recusados, pois a escolha de qualquer deles implicaria
sempre a cedência ao mal e, como tal, seria sempre "pecaminosa". Esse
fundamentalismo não só é perigoso, do ponto de vista prático - pelas
consequências potencialmente desastrosas a que pode conduzir -, como é
moralmente errado, porque assenta num vício de raciocínio. O vício
desse fundamentalismo consiste em supor que, recusando-se escolher um
dos males, se isenta da responsabilidade moral pelas consequências
supervenientes. Ora, este é um entendimento profundamente errado do
dever moral. Sempre que se está perante uma escolha, está-se perante
uma decisão ética (por natureza e definição), não existindo, por isso,
nenhum caminho moralmente des-responsabilizante. Mesmo a suposta "não
escolha" é sempre uma escolha e influencia o curso dos acontecimentos.
Constitui, por isso, responsabilidade moral para quem a pratica. Mais
concretamente e no caso em que se esteja perante dois males, a recusa
de escolher activamente o mal menor, implica irrecusavelmente a
escolha - "passiva", mas escolha! - do mal maior. A responsabilidade
pelo resultado é, pois e sempre, moralmente iniludível, por mais que
se pretenda purificar a atitude de recusar escolher. Pense-se no que
teria acontecido à Europa e ao Mundo, se as democracias ocidentais
tivessem recusado o mal menor - aliança com Estaline - na segunda
guerra mundial...

O dilema que as autoridades europeias - governos e BCE - têm hoje pela
frente é um dilema moral desta natureza. Se persistirem na recusa do
risco de inflação - actualmente desprezível, mais distante no tempo,
de consequências mais controláveis, e, por tudo isso, o mal menor -
estarão a escolher o caminho de uma generalizada crise bancária, de
uma provável depressão económica e da desintegração europeia - com
consequências mais iminentes, próximas, profundas e irreversíveis, ou
seja, portanto, o mal maior. Não haverá meio termo. Este é um dos
raros momentos históricos em que os protagonistas não conseguirão
passar sem registo. Seja qual for a escolha que façam - activa ou
passiva - a História não os isentará da responsabilidade moral e
inscreverá os seus nomes na memória futura.

Mas não nos iludamos: seja qual for a opção europeia, a Portugal não
resta alternativa que não passe pela austeridade orçamental, reformas
estruturais e desvalorização real. Até o tempo para o ajustamento
depende do que "a Europa" nos conceder...

PS: Aos "surpreendidos"/distraídos, antes que comentem: Cf. "Salvar o
Euro", JN, 11/03/10
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Vitor Bento, Economista»

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